terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Uma história de vida apesar da morte...
"Querido Deus,
«Chamo-me Óscar, tenho dez anos. Peguei fogo ao gato, ao cão, à casa (acho que até grelhei os peixes vermelhos) e esta é a primeira carta que te mando porque até agora, por causa dos estudos, não tive tempo.»
Atenção! Aviso-te já, antes de começar: não tenho mesmo nenhuma vontade de escrever-te. Só faço isto porque não tenho mais remédio… Escrever não é outra coisa que mentir para parecer bem. É uma treta dos maiores… Se não acreditas, vê a maneira como comecei a minha carta… Podia também ter dito: «Chamam-me Cabeça de Ovo, aparento ter sete anos, vivo no hospital por causa do meu cancro e nunca te dirigi a palavra porque nem sequer acredito que tu existas.»
O caso é que se ponho isso, vai cair-te mal e vais interessar-te ainda menos por mim. E eu preciso que tu te interesses por mim...
... O hospital é um lugar super fixe, ... … cheio de brinquedos e de senhoras cor-de-rosa que querem brincar com as crianças… ... Em suma, o hospital é o máximo se fores um doente agradável. Mas eu já não sou agradável. Desde que me fizeram o transplante de medula óssea, dei-me conta de que agora não sou agradável. ... Se dizes «morrer» num hospital, ninguém ouve.
- Senhora-Rosa, tenho a impressão que ninguém me diz que vou morrer.
- Por que é que queres que te digam se tu o sabes, Óscar?
Uff, ela ouviu. …
Calámo-nos um instantinho, a remoer todos estes pensamentos novos.
- E se escrevesses a Deus, Óscar? ...
- Caraças! Também tu, não!
- Eu não o quê?
- Tu não! Eu pensava que tu não eras uma mentirosa.
- Mas eu não te estou a mentir
- Pois então, por que é que te pões a falar de Deus? Já me mentiram com essa história toda do Pai Natal. Uma vez basta!
- Óscar, Deus e o Pai Natal não têm absolutamente nada a ver um com o outro…
- E porque haveria de escrever a Deus?
- Irias sentir-te menos só.
- Menos só com alguém que não existe?
- Faz com que ele exista.
Debruçou-se para mim.
- Cada vez que acreditares nele, existirá um bocadinho mais. Se persistires, existirá completamente. Então, vai ajudar-te.
- O que é que eu lhe posso escrever?
- Confia-lhe os teus pensamentos. Os pensamentos que não dizes são pensamentos que pesam, que se incrustam, que são um fardo, que te imobilizam, que tiram o lugar às ideias novas e que te apodrecem. Vais transformar-te numa lixeira de velhos pensamentos malcheirosos, se não falares.
- O.K.
- E depois, a Deus, podes pedir-lhe uma coisa por dia. Atenção! Só uma.
- O teu Deus é um inútil, Senhora-Rosa. O Aladino tinha direito a três desejos com o génio da lâmpada.
- Um desejo por dia é melhor que três durante uma vida, ou não?
- O.K. Então posso pedir-lhe tudo? Brinquedos, bombons, um carro...
- Não, Óscar. Deus não é o Pai Natal. Só podes pedir coisas do espírito.
- Por exemplo?
- Por exemplo: coragem, paciência, esclarecimentos.
- O.K. Estou a ver.
- E também podes, Óscar, sugerir-lhe favores para os outros.
- Um desejo por dia, Senhora-Rosa, vou lá desperdiçá-lo, primeiro vou guardá-lo para mim!
E pronto. Então, Deus, nesta primeira carta, mostrei-te um pouco o género de vida que tenho aqui, no hospital, onde agora olham para mim como um obstáculo à medicina, e gostaria de te pedir um esclarecimento: vou curar-me? Respondes sim ou não. Não é lá muito complicado. Sim ou não. Riscas o que não interessa.
Até amanhã, beijinhos
Óscar."
Fonte livro: "Óscar e a Senhora Cor-de-Rosa" do autor ÉRIC-EMMANUEL SCHMITT.
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