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sexta-feira, 1 de abril de 2011

A Morte do Bem-aventurado José de Anchieta


Uma vez um amigo me disse: A morte é a consequencia da vida! Dize-me como vives e eu te direi como será sua morte!

Eu já tinha lido e feito a postagem da morte de três santos: São Francisco de Assis, São Bento e São Paulo de Tebas (vide postagens no Blog). E estando a rezar o terço diante do femur do Bem-Aventurado José de Anchieta, na Igreja do Páteo do Colégio (centro de São Paulo) resolvi postar sobre este Servo de Deus ao qual até as feras selvagens obedecia!

A mata ficara silenciosa. O vento nem soprava. Parecia que tudo havia parado, apenas o canto triste de uma pequena ave: o uirapuru... Mas o que teria acontecido? Morrera o tão amado Bem-Aventurado José de Anchieta.

Os índios choravam copiosamente, disputaram quem iria carregar seu corpo pelas matas, e por onde passavam viam que toda a natureza ao redor compartilhava da dor dessa perda irreparável.

O milagre coletivo ocorrido durante dois dias de cortejo fúnebre do Apóstolo do Brasil era já o prenúncio de uma série de prodígios que ele operaria no decurso de quatro séculos.

Anchieta era o maior apóstolo que o Brasil tinha nos primórdios de nossa história. Discípulo de Santo Inácio de Loyola, o grande Santo fundador da Companhia de Jesus, Anchieta era querido por todos. Era um jesuíta cujos títulos não lhe faltavam: evangelizador dos índios, a quem também civilizou e instruiu; elo de ligação e harmonia entre brancos, silvícolas e negros; desbravador e fundador de vilas e cidades; incentivador e participante de expedições militares para a expulsão dos hereges invasores de nosso território; e incentivador da construção de fortes para a defesa do litoral contra os piratas europeus.

A notícia de sua morte correu pelas matas brasileiras e o Brasil inteiro chorou amargamente o Grande Apóstolo que havia perdido.

A notícia correu célere em Reritiba, na Capitania do Espírito Santo. Os índios, dando livre curso à dor em copioso pranto, enviaram logo às vilas e aldeias da região "pregadores" - trovadores à sua maneira - para cantar as virtudes e feitos daquele que, mais do que civilizador, foi um mestre, um pai, que os livrara das trevas do paganismo, da barbárie e do pecado, indicando-lhes o caminho do Céu.

Por todos os lados começaram a se fazer ouvir brados e lamentos dos indígenas, homens, mulheres e crianças: "Queremos ir com o Padre! Queremos nós carregá-lo!"

Tão determinada e pia insistência não era possível ignorar. Foi assim uma verdadeira procissão que se formou para percorrer os quase 100 quilômetros de praia que separam Reritiba, onde o Bem-aventurado faleceu, de Vila Velha.

O cortejo partiu tendo à frente o Pe. João Fernandes conduzindo uma cruz processional. Seguiam-lhe os demais sacerdotes e irmãos da Companhia, e algumas autoridades locais. Carregado aos ombros em andas, alternadamente por sacerdotes e indígenas, vinha o esquife de cedro com o corpo de Anchieta, e o grosso dos silvícolas.

À medida que caminhavam, um crescente murmúrio, primeiro de perplexidade e depois de admiração, levantou-se entre os indígenas, até se transformar em brados de alegria: Niposii! Niposii! ("Não pesa! Ele não pesa!"). Era bem o fato: o corpo do Apóstolo não só não pesava, como também o atrito dos varaus das andas não magoava os ombros dos seus carregadores, apesar da irregularidade do terreno.

Por sua vez, o Pe. João Fernandes jurou que, durante o longo trajeto feito a pé durante dois dias e duas noites, "jamais sentiu sono ou cansaço; antes, ia gozando de um cheiro e consolação como do Céu. O mesmo depôs o Pe. Pedro Soares" (1). Também os indígenas afirmaram que, "em lugar de cansaço, sentiram muito alívio e consolação" (2).

Mais: daquele corpo sem vida, não se desprendeu o mais leve odor de corrupção, herança dos filhos de Eva, nos dois dias e duas noites de caminhada. Pelo contrário, sentia-se um "suave e agradável cheiro de bálsamo".

Assim, ao som do canto-chão, do Rosário da bendita Mãe de Deus, ou de pungente silêncio fúnebre, os restos mortais de Anchieta se aproximaram de seu destino, Vila Velha, cercados de amor e reverência.

O corpo do Apóstolo do Brasil repousou tranqüilamente, sempre pranteado e reverenciado, na igreja de São Tiago, em Vila Velha do Espírito Santo, de 1597 a 1611. Em 1609, por determinação do Geral da Companhia, Pe. Cláudio Acquaviva, foi feita a primeira exumação do corpo, do qual só restavam ossos. Dois anos depois o mesmo Geral, levando em consideração o bem e a admiração que na Europa suscitavam as primeiras biografias de Anchieta - difundidas através dos colégios e casas dos Jesuítas (3) - ordenou que os preciosos restos do Servo de Deus fossem transladados para a igreja do Colégio da Bahia, a mais importante da Companhia de Jesus então existente no Brasil, e colocados junto ao altar-mor.

Por ocasião da transladação, alguns ossos do heróico missionário haviam sido distribuídos, ficando uma tíbia no Espírito Santo. Por meio de fragmentos desses ossos, Deus operou muitos milagres conforme se afirma sob juramento nos processos canônicos.

O Pe. Simão de Vasconcelos narra inúmeros deles, dentre os quais menciono um, bastante significativo.

Ocorreu em 1616 com o Pe. Pedro Leitão, jesuíta que fora grande amigo de Anchieta. O milagre é pitoresco por sua candura, e reflete bem o caráter alegre e afável do Apóstolo do Brasil: sofrendo de cólicas terríveis que remédio algum podia aliviar, o Pe. Leitão dirigiu uma queixa a Anchieta:

"Santo José, não me acudis? Onde estais? Lembrai-vos de quantas vezes vos ajudei em vossas necessidades e fui enfermeiro fiel em vossas doenças! Não me desampareis agora que padeço!".

Dizendo isso, adormeceu e viu em sonhos o amigo: "Ó fraco! Já vos agastais e pelejais comigo? Ora, aqui tendes" (e pondo-lhe a mão na parte dolorida) "já estais são". Quando o Pe. Leitão despertou, estava livre de todo o mal (4).

Notas: (Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou na apreciação de fatos edificantes com relação a pessoas já falecidas. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.)
1) Pe. Simão de Vasconcelos, S.I., Vida do Venerável Padre José de Anchieta, [Escrita em 1677],Instituto Nacional do Livro, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1943, 2. Vol., p. 147).
2) Pe. Pero Roiz, ANCHIETA - Vida do Padre José de Anchieta da Companhia de Jesus. Quinto Provincial que foi da mesma Companhia no Estado do Brasil. Escrita pelo Padre Pedro Roiz, natural da cidade de Évora, e sétimo Provincial da mesma Província, [Escrita em 1607, apenas 10 anos após a morte de Anchieta], Livraria Progresso Editora, Salvador, 1955, pp. 86.
3) Cfr. Pe. Hélio Abranches Viotti, S.J., ANCHIETA - O Apóstolo do Brasil, Edições Loyola, São Paulo, 2a. edição, 1980, p. 261.
4) Cfr. Pe. Simão de Vasconcelos, S.J., op.cit.,p. 155.

Revista Catolicismo de junho de 1997
fonte blogue Almas Castelos (cortesia)

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