sexta-feira, 3 de junho de 2011
O Clérigo que vendeu sua alma
Ao visitar as grandes Catedrais Medievais, ficamos maravilhados com os inúmeros vitrais coloridos. Há também nas paredes internas e externas dessas Catedrais pequenas esculturas onde se vê imagens relatando histórias antigas que se perpetuaram pelos séculos. Isso era muito útil para todos, mas especialmente para os pobres e para os iletrados que, através das figuras, aprendiam maravilhosas histórias. A catedral foi por isso chamada "Bíblia dos pobres".
São verdadeiras obras-primas, tanto da escultura românica quanto da gótica.Nesta "Bíblia de pedra e de cristal", os artistas de outrora esculpiram inúmeras parábolas, que ensinam de modo vivo as virtudes que o fiel católico deve praticar.
Uma dessas histórias retratadas em pedra é a de Teófilo. Sua escultura se encontra no lado externo da Catedral de Notre Dame em Paris.O fato ocorreu na Sicília, e deu origem à famosa legenda que inspirou a auto sacramental "O milagre de Teófilo", dos mais célebres da literatura medieval.
Foi escrita pelo clérigo Eutiquiano de Constantinopla, como testemunha ocular que foi do fato. Segundo o padre Crasset, confirmam-no S. Pedro Damião, S. Bernardo, S. Boaventura, S. Antônio e outros.
Qual era o caso de Teófilo? Vigário da Igreja de Adanas, na Sicília, ele dirigira durante muito tempo, com dedicação e acerto, os bens eclesiásticos, facilitando a seu bispo a direção das almas.
Porém, veio o dia em que o prelado entregou sua alma ao Criador, para grande desconsolo e tristeza dos fiéis.
Quem ocuparia a sede vacante? Não havia dúvida: Teófilo — dizia-se por toda parte. O povo o estimava e o queria para bispo, dignidade que ele por humildade recusou, respondendo que sua vocação era continuar exercendo as funções de vigário. Por fim, outro bispo ocupou a sede vacante.O novo prelado não confiava em Teófilo, e algum tempo depois removeu-o de seu cargo. A desolação invadiu então a alma do eclesiástico. Enquanto ele vagava pela cidade, o demônio lhe sussurrava:
— Perder o cargo! A carreira! Como foram fazer isso a ti, Teófilo? Isso não pode ficar assim!
Foi nesse estado que o infeliz sacerdote bateu à porta do feiticeiro. Este, porém, negava-lhe uma solução fácil:
— Há só uma saída: invocar a ajuda dos infernos.
Teófilo vacilou por um instante. Porém o ressentimento lhe corroia o coração, e acabou aceitando a proposta. Invocado pelo feiticeiro, o demônio apareceu imediatamente em toda sua hediondez.
Com gritos, blasfêmias e palavrões, foi ditando a Teófilo os termos dos atos, que deviam ser escritos em pergaminho com o próprio sangue do ex-vigário e selados com seu anel.
Devia renunciar à Fé, à Igreja, à Santíssima Virgem e a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ajoelhando-se, o ex-vigário prestou vassalagem ao demônio, em sua forma monstruosa (na cerimônia medieval de vassalagem, o servo juntava suas mãos e o senhor feudal as cobria com as mãos, significando assim que concederia proteção àquele que se submetia à sua autoridade).
No dia seguinte o bispo reconheceu a falsidade das acusações contra Teófilo e pediu-lhe perdão, restituindo-lhe o cargo que ocupara. A fortuna e o prazer lhe sorriam, mas um profundo mal-estar o atormentava no interior.
Chorava sem cessar, tendo a consciência dilacerada de remorso pelo enorme pecado que havia cometido.
Era como se uma mão o prendesse pelo coração. Ademais, só ao pensar que sua felicidade iria terminar algum dia, tornava-se sumamente infeliz.Sobretudo, enchia-o de terror o saber de quem era servo!
Finalmente, não podendo suportar mais tal situação, entrou um dia na igreja, e lançando-se aos pés de uma imagem da Santíssima Virgem, chorou amargamente e lhe disse:
— Ó Mãe de Deus, não quero desesperar-me. Ainda Vós me restais, Vós que sois tão compassiva e poderosa para me ajudar.
Fez a mesma coisa durante quarenta dias, renovando sempre suas súplicas e pedindo perdão.
Uma noite apareceu-lhe a Mãe de Misericórdia e disse-lhe:
— Que fizeste, Teófilo? Renunciaste à minha amizade e à de Meu Filho e te entregaste àquele que é teu e meu inimigo!
Teófilo, sem deixar de chorar, implorou a misericórdia da Mãe de Deus. Recordando o exemplo de outros pecadores como o Profeta-Rei David, Santa Maria Madalena e S. Pedro, terminou por dizer:
— Senhora, haveis de me perdoar e de me obter o perdão de Vosso Filho.
Ela respondeu-lhe que o perdoaria tê-la negado, mas não poderia perdoar a negação de Seu Filho:
— Consola-te, que vou rogar a Deus por ti.
Após ouvir estas palavras, reanimado, redobrou Teófilo as lágrimas, as preces e as penitências, conservando-se sempre aos pés da imagem de Maria. Reapareceu-lhe a Mãe de Deus, e amavelmente lhe disse:
— Teófilo, enche-te de consolação. Apresentei a Deus tuas lágrimas e orações. De hoje em diante guardo-lhe a gratidão e fidelidade.
O infeliz replicou:
— Senhora minha, ainda não estou plenamente consolado. Ainda conserva o demônio o ímpio documento em que renunciei a Vós e a vosso Filho. Podeis fazer que me restitua?
Compadecida, Ela mesma ofereceu-se para ir buscar o pergaminho no inferno. Durante três dias Teófilo aguardou prostrado em terra, ao cabo dos quais reapareceu a Virgem trazendo o pacto maldito, que entregou a Teófilo como símbolo do seu perdão.
No dia seguinte foi Teófilo à Igreja, e ajoelhando-se aos pés do bispo, que naquele momento oficiava, contou-lhe por entre soluços tudo quanto lhe havia acontecido.
Entregou-lhe o ímpio documento, que o bispo fez queimar imediatamente diante dos fiéis presentes, enquanto choravam todos de alegria, exaltando a bondade de Deus e a misericórdia de Maria para aquele pobre pecador. Teófilo voltou à igreja de Nossa Senhora, e ao fim de três dias morreu contente, cheio de gratidão para com Jesus e sua Mãe Santíssima.
Na escultura que representa o fato, bem se pode ver esse auge de bondade de Maria. Enquanto o vigário arrependido ora fervorosamente, a Santíssima Virgem obriga, com a espada na mão, o demônio a devolver-lhe o pergaminho. Três fisionomias marcam a cena: confiança e calma em Teófilo; proteção maternal e força de Nossa Senhora; ódio cínico e desespero profundo no demônio.
Fonte: Revista Catolicismo, nº 320, setembro de 1977
Fonte: Blog Almas Castelos (cortesia)
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